Uma regra que a sociedade impõe é: não levar problemas da vida pessoal para a vida profissional; não misture as coisas.
É... Mas levar problemas do trabalho para a casa todo mundo pode, né? Claro. Nenhuma empresa quer que seus negócios acabem indo mal porque seus funcionários estão mal. Mas todos concordam que quando sua vida pessoal está as mil maravilhas, isso reflete no trabalho. Aí a regra não vale, né?
Não deveríamos tirar o ânimo e deixá-lo pendurado no vestuário até a hora da saída como fazemos com o desânimo? Seria um tratamento desumano! E eu fico feliz ao ver que algumas empresas estão mudando esse conceito, que estão dispostos a conversar sobre adaptações com seus empregados, que tenham notado que você só pode ter amor a sua profissão se levar ela para o lado pessoal. Não que muitos façam isso com boas intenções, mas já foi testado o método “não misture sua vida pessoal com sua vida profissional” e os resultados não foram satisfatórios. A vida é assim: falhar e modificar. Inclusive indico o livro Ócio Criativo.
Profissão é uma escolha e escolhemos a partir do pessoal, a partir das nossas descobertas pessoais, dos nossos “dons”... Profissão não deveria ser uma obrigação. Bom, com certeza é algo que exige responsabilidade, mas a responsabilidade tem que ser trabalhada no pessoal. O que mais tem aí é gente que não ama as regras, apenas as obedecem. Mas por quê não as amam? Porque não veem sentido!
Vai parecer que estou fugindo do foco, mas compreendam que estou apenas entrando nele: Não amamos de verdade.
A resposta para esse pensamento está no que ouvimos na infância e armazenamos no cérebro como sobreaviso, consulta (como as lições hipnopédicas no livro Admirável Mundo Novo). O que ouvimos é fruto da falta de tempo para educar corretamente uma criança: o discurso de compensação. É mais rápido comprar uma criança dizendo “faça isso que é sua obrigação e depois você pode brincar” ou “come toda a comida que depois você ganha chocolate” do que sentar ao lado da criança e explicar, calmamente, os motivos pelos quais ela deve fazer tais coisas e ficar ali o tempo que for preciso.
Querendo reações imediatas, pecamos em não dar explicações. As pessoas podem até se acostumar ao “só sei que fiz e deu certo”, mas no fundo elas questionam o por que das coisas... E as fazem por pura obrigação, sem pensar em consequências e motivos.
Quem quer ter um filho tem que ter tempo para eles. Eu entendo quando o caso é de descuido e a criança não foi planejada: os pais correm para pagar as contas. Mas para um casal que planejou, não parece um plano muito bom, né? Ter um bebê e depois jogar na cara dele que você “se matou trabalhando” para dar as coisas para ele, como se ele tivesse pedido para vir ao mundo. E qual era o plano? Ter mais uma boca para alimentar, não ter tempo para ela e dizer que “a vida é assim mesmo” só para “encher a casa”? O pior é que não parece errado e, perante alguns olhos, nunca pareça porque foi algo que foi testado e deu certo para alguns. Então se der errado para outros o problema é dos outros. O que esperar de uma sociedade que aprendeu que “democracia” significa “maioria”, né?
“Ah, mas você fala isso porque não tem filhos” não é um argumento válido. Aliás, posso não ser mãe, mas sou filha e só repete a educação que recebeu, quem não tem cabeça para fazer uma nova. Tanto que conheço “pais assim” e “pais assado”.
“A paternidade, ao contrário do que julga o senso comum, não é uma habilidade que aflora naturalmente quando o homem tem sua cria, mas sim um ofício para o qual já se deve ter uma predisposição, uma certa dose de talento e muita paciência.” – (João, Maria e os Outros)
É claro que podemos aprender na prática, mas não é como na escola; se você errar, não terá outra chance. Você pode errar, apagar e corrigir o erro sim... Mas ficará para sempre a marca do lápis por trás da correção. Ou como diz aquela história “não basta tirar os pregos da tábua: ela nunca mais será a tábua lisa de antes”.
E por isso que as boas intenções não importam. O discurso de compensação não importa. Devemos amar a intenção e esquecer o real problema? Devemos nos drogar com a ilusão da boa intenção do que realmente viver o amor? A coisa boa não anula a ruim. O que acontece de fato é que um lado fica sobrecarregado e o outro vazio, além de criar pessoas visando no lucro, desencadeando a filosofia do “pagando bem que mal tem”? Alô? Uma coisa não compensa a outra! Não dá para alimentar a alma com feijão, assim como não dá para alimentar o estômago com carinho. Mas ai de nós se reclamarmos do nosso direito de viver e sobreviver! “Escolha um e contente-se!” É o que a cultura da compensação nos impõe: a não reclamar de algo porque temos outro. “Sua ingrata!”
Querer o que é seu por direito não é ser ambicioso. “Você não tem direito a nada! Tudo o que vier é lucro!” E isso dito por pessoas que QUISERAM te trazer ao mundo.
Por isso fica difícil as pessoas amarem ou, até mesmo, odiarem umas as outras. Nada é intenso. Não sabemos o que sentimos pelas pessoas que nos cercam porque não as conhecemos. Mas como elas nos dão presentes em datas “especiais” ficamos com a impressão de que elas se importam conosco. Mas elas não se importam. Elas se importam com elas mesmas. Como é tradicional, elas se sentem mal em não dar um presente... Pesa na consciência delas! Então elas dão. Tanto é verdade que muitos nem pensam de verdade na pessoa: dão um “vale-presente” e pronto, sua missão social foi cumprida. Como diria Mario Cortella: “vale-presente é o ápice do anonimato”.
Uma pessoa que é amada todos os dias do ano não vai dar falta de presentes. Mas uma pessoa que não se sente amada fica ofendida se não os recebe porque é a confirmação de que ela não ocupou o pensamento de alguém nem por alguns minutos. E a pessoa que não se sente amada e recebe presentes, pelo menos vive na dúvida “Você pode não me dar uma migalha de atenção durante o ano inteiro, mas se me trouxe bombons isso deve significar alguma coisa”. Desses três grupos, particularmente, prefiro o primeiro.
Continuando: não amamos de verdade, porque não conhecemos a verdade. As pessoas querem um amor incondicional, mas vivem impondo condições... E se questionamos? “Sou livre e desimpedido para fazer o que quiser e você não tem nada a ver com isso”. Livre e desimpedido para mentir? E não temos nada a ver com isso? Desculpem-me, mas quem mente é porque está dependendo sim da aprovação de alguém!
Aprendemos a amar de mentirinha, o lado bom... Aprendemos a amar o chocolate depois do almoço e não a refeição; aprendemos a amar o lazer depois da tarefa e não a tarefa; aprendemos a fazer as coisas por obrigação, a contragosto... Ao invés de amar suas regras, se doar conscientemente, gostar de ser parte responsável.
Outro efeito causado pelo discurso de compensação: Achamos que merecemos as coisas se nos esforçamos. Não merecemos nada! A vida é uma ação e reação que muitas vezes, sem querer ser conformista, não depende de nós. Não basta criar vergonha na cara, tomar coragem e ir falar com a pessoa amada esperando que depois de meses de carinho ela vá aceitar sua declaração de amor. “Não é você. Sou eu!” E realmente não é culpa nossa!
Muita gente não gosta de ver essa realidade, e já sai falando algo do tipo “ah, não deve ter se esforçado de verdade” metendo o pé na vida dos outros dizendo que sabe o que eles fizeram ou deixaram de fazer. Ou ainda “ah, deve estar desiludida com a vida”. Sim. Comigo, pelo menos é essa a palavra: desiludida. Se eu estou desiludida é porque outra está iludida, não é? E estar iludida é bom? Viver de ilusão, é bom? Sério mesmo?
Não se pode simplesmente estar certo em meio a ignorantes. Às vezes nem a gente sabe explicar o por que é certo e daí se não sabemos explicar para os ignorantes eles tem todo o direito de desconfiar e não acreditar. Se soubéssemos tocar num ponto crucial da vida da pessoa, iríamos nos fazer entender. Às vezes o discurso é bom, mas é direcionado ao público errado. Às vezes isso me acalma e me tira a culpa... Às vezes me irrita por eu não ter conseguido atingir o público-alvo.